30 de abr. de 2025

Gabriel Nunes
No mundo do desenvolvimento de software, medir a produtividade de times e indivíduos pode ser desafiador. Muitos gestores e engenheiros de software recorrem a métricas como DORA e SPACE para entender melhor a eficiência de seus processos e identificar pontos de melhoria. Mas como essas métricas realmente funcionam na prática? Vamos entender melhor como esses modelos são aplicados no dia a dia e como podem transformar a produtividade de uma equipe.
O que são as métricas DORA e SPACE?
As métricas DORA (DevOps Research and Assessment) são focadas na operação tecnológica de uma organização. Elas refletem o que realmente acontece para que novas funcionalidades ou correções sejam implementadas de forma eficiente. É como saber quantas peças uma linha de montagem produz numa fábrica ou identificar o que geralmente funciona melhor.
Já o modelo SPACE é mais complexo, pois o paper original não define métricas específicas, apenas exemplos. Fernando Ike, Head Senior of Production Engineering no PicPay, fala como lida com esse modelo no dia a dia: “O que costumo usar são métricas de agilidade das equipes, métricas de engenharia no Ciclo de Desenvolvimento de Software (SLDC) e métricas de RH”. O diferencial do SPACE é permitir a conexão entre métricas operacionais e de desenvolvimento.
Principais métricas DORA no dia a dia
As quatro principais métricas DORA são:
Frequência de Deploy
Lead Time para mudanças
Tempo de Recuperação (MTTR - Mean Time to Recovery)
Taxa de Falhas
Fernando revela que não acompanha essas métricas diariamente, mas analisa tendências ao longo de ciclos maiores que 30 dias. “Os contextos das últimas organizações que trabalhei me direcionam a olhar para Tempo de Recuperação e Taxa de Falhas, pois refletem o quão a qualidade de Engenharia de Software está aplicada ou ‘aculturada’ nas equipes”, explica.
Organizações mais maduras tecnologicamente costumam ter Frequência de Deploy e Lead Time muito bons. No entanto, altos tempos de recuperação e taxas de falhas indicam problemas na cultura organizacional e na engenharia de software, tornando-se um alerta para a necessidade de melhorias.
Exemplo prático do impacto das métricas DORA
Fernando compartilhou um caso real onde essas métricas foram determinantes para uma grande mudança organizacional. “Havia uma organização em que a Frequência de Deploy era de 15 dias, mas todos os deploys eram seguidos de correções, resultando em uma taxa de falha de 100% e um tempo de recuperação de 90 horas”, relata.
Esse cenário gerava insatisfação generalizada entre os desenvolvedores, que passavam a maior parte do tempo apagando incêndios. Ao apresentar esses dados de forma quantitativa, foi possível sensibilizar a equipe e promover mudanças estruturais nos processos de desenvolvimento e engenharia. Como resultado, a empresa passou a realizar mais de um deploy por dia, reduziu o tempo de recuperação para 90 minutos e aumentou significativamente sua capacidade de entrega.
Aplicação do modelo SPACE na prática
A implementação das métricas SPACE pode ser um desafio maior, pois envolve múltiplas dimensões, como Satisfação e Bem-estar, Performance, Atividade, Comunicação e Eficiência. Continuando no exemplo acima, a melhoria nos processos impactou diretamente essas áreas:
Eficiência no trabalho: limitação de atividades simultâneas (WIP), aumento da cobertura de testes e aplicação de quality gates.
Comunicação: implementação de um quadro visual para facilitar a identificação de bloqueios e gargalos.
Satisfação e Retenção: a estabilização da operação reduziu o turnover, mesmo sem métricas explícitas como e-NPS.
Uma métrica pouco usada, mas essencial
Fernando cita uma outra métrica que deveria ser mais valorizada: o Trabalho Estocado. Diz respeito às atividades iniciadas que ficam bloqueadas ou sem priorização. “Isso representa a quantidade de horas ‘desperdiçadas’ por uma equipe. Se houver dificuldade em obter métricas da DORA ou do SPACE, o Trabalho Estocado pode ser um ótimo indicador para catalisar mudanças.”
Esse conceito foi essencial para um projeto no qual atuou como CTO de uma startup. Ele demonstrou aos fundadores que mudanças frequentes de prioridade estavam gerando desperdício operacional. Ao quantificar esse impacto em horas e dinheiro, conseguiu convencê-los a ajustar suas estratégias e minimizar retrabalho.
O mito da produtividade individual
Desenvolvimento de software numa organização é um esporte coletivo e não individual, não é uma corrida de 100 metros ou uma maratona no qual o esforço individual é mais decisivo no resultado. A produtividade individual é reflexo da performance da equipe, da área ou mesmo de toda organização.
Quando uma organização tenta medir a produtividade de um desenvolvedor de forma isolada, corre o risco de criar um ambiente de competição interna que pode ser prejudicial para o trabalho em equipe. Um programador pode escrever muitas linhas de código em um curto período, mas se esse código não for sustentável, seguro ou alinhado com os objetivos do time, o impacto positivo será nulo — ou até negativo. O verdadeiro ganho está na colaboração entre os membros da equipe, na troca de conhecimento e na construção coletiva de soluções eficazes.
Além disso, medir a produtividade individual sem considerar o contexto pode levar a métricas distorcidas. Por exemplo, um desenvolvedor pode estar menos produtivo por estar ajudando colegas, revisando códigos ou participando de discussões técnicas estratégicas — atividades essenciais para o sucesso do time. O foco deve estar na eficiência do fluxo de trabalho e na capacidade da equipe de entregar valor continuamente, e não em quantos commits ou linhas de código um único profissional gera.
Como evitar que métricas se tornem fonte de pressão?
O risco de transformar métricas em metas rígidas é real, Fernando faz um alerta: “Ao dar importância a uma métrica, as pessoas tendem a direcionar esforços para maximizar seus resultados. Elas devem ser usadas como diagnóstico e não como um número para bater.”
Ferramentas como dashboards são úteis para monitoramento, mas também é preciso valorizar as conversas qualitativas para entender o contexto por trás dos números.
O futuro da medição de desempenho em software
Sobre o futuro, Fernando prevê que as métricas evoluirão para considerar o impacto da inteligência artificial no desenvolvimento: “Acredito que num futuro não distante será sobre a taxa efetiva dos geradores de código (LLMs/Co-Pilots/Dev Agent AI) para os diferentes níveis de desenvolvedores.”
Com a crescente adoção de inteligência artificial no desenvolvimento de software, a forma como medimos o desempenho dos times precisará evoluir. Em vez de focar apenas na velocidade de entrega ou na quantidade de código escrito, será essencial avaliar como as equipes utilizam ferramentas baseadas em IA para aumentar a eficiência e a qualidade das soluções. Métricas como a taxa de adoção e o impacto real dos assistentes de código nos ciclos de desenvolvimento podem se tornar indicadores-chave, ajudando as organizações a entenderem se essas tecnologias estão realmente acelerando a entrega de valor ou apenas gerando mais retrabalho.
Além disso, a colaboração entre humanos e IA no desenvolvimento exigirá uma abordagem mais holística na medição de desempenho. Será necessário acompanhar como os desenvolvedores interagem com essas ferramentas, analisando não apenas a produção de código, mas também o ganho em inovação, a redução de falhas e a melhoria na experiência do usuário final. O futuro da medição de desempenho não será sobre substituir a avaliação humana por métricas automatizadas, mas sim sobre integrar novas variáveis que reflitam a realidade do desenvolvimento moderno.
Conclusão
A medição da produtividade em desenvolvimento de software deve ser um processo contínuo de experimentação e aprendizado. Fernando finaliza com um conselho: “Não precisa se preocupar em aplicar todas as métricas DORA ou SPACE de uma vez. Comece com o que já tem e vá habilitando novas capacidades para as equipes. Muita coisa legal vai acontecer.”