O péssimo hábito de esperar que pessoas desenvolvedoras se tornem gerentes no Brasil

Gabriel Nunes

16 de novembro de 2022

Depois de anos trabalhando em uma empresa, finalmente você recebe a tão sonhada promoção para gerente. Todos os seus sonhos irão se realizar agora. Só que não. Na verdade, gerenciar outras pessoas nem sempre é uma tarefa fácil ou uma evolução que parece natural na carreira de desenvolvimento. 

No Brasil, empresas de tecnologia geralmente seguem a cultura empresarial padrão do mercado daqui: pessoas mais velhas ocupam cargos mais sêniores e quanto mais tempo em uma empresa, mais chances de você subir de “nível” até a gerência. Talvez isso se dê ao fato do mercado de tecnologia ser relativamente mais novo do que o dos EUA, onde as coisas já mudaram faz algum tempo.

O maior problema que seguir o caminho padrão leva é a provável perda de uma pessoa técnica muito boa e o ganho de uma pessoa gerente medíocre. Isso tudo gera insatisfação para a pessoa que trabalha e a empresa também perde qualidade de gerenciamento. 

A carreira em Y surgiu para preencher esse grande problema: nem todo mundo quer ser gerente. Ao mesmo tempo, ele também é importante pelo crescimento acelerado dos times de desenvolvimento e a necessidade de ter alguém para assumir novas responsabilidades.

Basicamente as divisões de cargos que qualquer companhia faz serve para mostrar de uma forma mais fácil as responsabilidade e experiências de uma equipe. Isso reflete no salário também, obviamente, dessa forma a empresa consegue se estruturar melhor e justificar salários maiores para pessoas com mais experiência.

A Doximity é uma plataforma digital para profissionais de medicina com mais de 800 funcionários por todo o mundo. Júlio Monteiro é brasileiro e trabalha na empresa há 6 anos, onde há 9 meses ocupa o cargo de Staff Software Engineer. Seu dia a dia ainda tem muita programação e poucas reuniões, algo que provavelmente não aconteceria caso ele tivesse optado por seguir a perninha do Y para “people”.

“A criação destes cargos é uma maneira de separar uma equipe de engenharia grande para ficarem mais justas as responsabilidades, com base nas experiências”, diz Júlio Monteiro, Staff Software Engineer na Doximity.

Nos Estados Unidos é comum desenvolvedores em cargos maiores receberem mais do que gerentes.  Na Netflix, por exemplo, o salário base para um Principal Engineer é de U$ 700 mil/ano, já o de um Engineer Manager é de U$ 300 mil/ano. A pesquisa que realizamos na Codecon, buscando entender o mercado brasileiro, já trouxe um resultado diferente: a média salarial de um Engineer Manager é de R$ 320 mil/ano e de um Principal Engineer é de R$ 200 mil/ano.

Trocando de posição no intervalo do jogo

Seguir uma carreira mais “tech” em vez de “people” pode ser um caminho interessante para a maior parte das pessoas desenvolvedoras que não conseguem se ver tendo que lidar com dezenas de reuniões de tomada de decisão, one on one, performance review, demitir pessoas, contratar pessoas e muitas outras coisas.

O que se vê também é que é possível voltar atrás. Elton Minetto trabalha há 14 anos gerenciando times e desde 2020 ocupava um cargo onde atuava 100% como gestor, o que o fez se afastar bastante da área técnica. “Foi aí que percebi, depois de muita reflexão e mentorias, que eu posso gerar muito mais impacto sendo técnico e não gestor. Seis meses atrás eu fiz a transição de gestor para técnico novamente, ao assumir o cargo de Principal Software Engineer no PicPay”, afirma Elton.

A rotina de um Principal/Staff Engineer pode mudar bastante de acordo com a empresa. Em alguns casos, a pessoa pode continuar seu dia a dia normal de quando ocupava um cargo sênior: revisar PRs, cuidar de tarefas e histórias e participar da daily, mudando apenas as responsabilidades e a confiança que essa pessoa transmite ao mexer no código, talvez isso mostre uma maior maturidade da equipe de desenvolvimento. 

Já em outros casos, a pessoa pode mexer menos no código, mas mesmo assim ser bastante responsável pela área técnica: “Posso dizer que hoje uso mais o Google Docs do que o VS Code, pois passo bastante tempo escrevendo e revisando Design Docs, RFCs e outras formas de especificação técnica. Escrevo bastante código, especialmente provas de conceito e bibliotecas para acelerar o dia a dia de outras equipes, mas sempre focado em aumentar o meu escopo de impacto", complementa Elton Minetto.

O que o futuro nos propõe?

No Brasil são poucas as empresas que já trabalham com cargos como estes. É necessário um time de tecnologia relativamente grande e o amadurecimento da equipe como um todo. Existem casos de empresas que acreditam que está na hora de ter um Staff ou um Principal, mas ainda não estão preparadas, o que só gera gastos extras e uma provável demissão das pessoas que estão ocupando os cargos. Até por esse motivo, são poucas as vagas disponíveis para trabalhar nessa área. O que se sugere é paciência. Se você já ocupa um cargo mais sênior e não quer ir para gerência, provavelmente uma hora ou outra a sua empresa precisará criar novas formas de diferenciar responsabilidades.

Algumas empresas já com grande maturidade possuem o cargo de Distinguished Engineer (nome bonito, né?) ou de Principal Director. Novamente, são cargos novos que surgem para definir novos escopos e responsabilidades, onde essa pessoa olharia para a empresa como um todo.

O que importa é entender que a carreira em tecnologia já não é uma linha reta e é possível continuar trabalhando com código até cansar, se você quiser. Quem sabe no futuro a carreira em Y não vire uma carreira em W? Ou uma carreira em X?

Referências/Leia mais:

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